Arranca-rabo, entrevero, inhapa, orelhano, tchê A linguagem do gaúcho – I

Por Ari Riboldi *



Na Semana Farroupilha, nada melhor que realizar um passeio pela riqueza da linguagem regional do gaúcho. Termos, expressões e ditados manifestam a vivência e os costumes da lida de campo e refletem a alma do homem das querências rio-grandenses.

Che ou tchê?

A origem e emprego da interjeição é motivo de constante polêmica entre os rio-grandenses. O uso faz parte da linguagem popular, portanto não há como regular ou estabelecer critérios. O povo faz a linguagem. Ao estudioso cabe constatar, analisar e registrar. Longe dos entreveros apaixonados, exponho a seguir pequena pesquisa acerca da origem do nosso “tchê”, alicerçada em bibliografia consagrada e respeitada.

Tchê é interjeição muito utilizada no Rio Grande do Sul. Não há dúvida quanto à sua origem. Vem do espanhol “che” falado na Argentina, Uruguai e Paraguai. O tchê, portanto, é uma variação do “che”, oriundo da forma de grafar em português como ele é pronunciado no espanhol, como se tivesse um”t” e com o “e” fechado (ê).

A interjeição “che” pode ser empregada com dois sentidos: a) como expressão de espanto e dúvida; como o sentido de companheiro, amigo, irmão, camarada. Há controvérsias quanto à sua etimologia. Uma das versões diz ser originária do dialeto falado pelos índios guaranis, em que “che” significa eu, meu, ei. Em decorrência disso, era empregada no início de frases, como em: che coronel, che Juan, che Guevara, che capitán, etc. “Che coronel”, no espanhol, era o mesmo que dizer “mi coronel”. Outra versão afirma que “che” é uma forma abreviada usada pelo espanhol para a palavra latina “caelestis” ( em latim, lê-se tchelestis), com o significado de gente do céu, criatura de Deus, menino do céu.

Na linguagem regional gauchesca, prevalece, atualmente, a forma escrita e falada “tchê”, empregada geralmente ao final de uma frase, como expressão de espanto, surpresa ou como forma de chamar a atenção de alguém, como se fosse um vocativo. Exemplo: “O que é isso tchê?” Mas bah tchê, tava bom barbaridade!”

Arranca-rabo e rabo de cavalo

Quando acontece briga pelas vias de fato, algo sempre lamentável e aparentemente irracional, é comum ouvir-se a frase: Aconteceu o maior arranca-rabo. Se a briga for entre mulheres, fato muito raro, a frase faz mais sentido e, normalmente, retrata a forma como acontece o embate entre rivais.

O rabo de cavalo é um penteado em que se atam os cabelos longos com elástico ou fitas no alto da cabeça, deixando-os pender à semelhança de um rabo de cavalo.

O arranca-rabo é confusão, disputa, desavença, discussão, briga onde ninguém se entende. Durante um arranca-rabo entre mulheres, por vezes, uma delas pode ter o rabo de cavalo arrancado. Quando chegam às vias de fato, geralmente as mulheres agarram-se pelos cabelos umas das outras e não os soltam de jeito nenhum. E o que pode acontecer se uma delas tiver um penteado rabo de cavalo com cabelo de aplique? Acabará perdendo o rabo e, provavelmente, também a briga. Entre os povos antigos, cortar a cauda de animais, particularmente de equinos, era troféu de guerra de inestimável valor. Arrancar o rabo do cavalo do inimigo, do chefe adversário, era uma grande proeza, festejada por todos, e demonstração de rara coragem.

Alguns termos e frases típicas da linguagem regional do gaúcho

Abichornado

Indivíduo triste, abatido, aborrecido, desanimado, envergonhado.

A la fresca

Expressão para manifestar espanto, surpresa, admiração O mesmo que “a la pucha”.

À moda miguelão

Dize-se de algo feito de qualquer jeito, sem capricho, sem nenhum cuidado, apressadamente.

À ponta de faca

Ao pé da letra; de forma radical, sem concessões, sem meias palavras, sem meio-termo.

Aspa-torta

Sujeito arruaceiro, desordeiro, metido a valentão, que está sempre metido em confusão.

Barbaridade

Termo usado para indicar surpresa, espanto. Empregado também com o objetivo de destacar, dar ênfase, sob a forma da exclamação: Linda barbaridade!


Bolicho


Pequeno armazém de secos e molhados. Em feriados e fins de semana, serve como local de encontro onde os homens do campo jogam baralho, bebem um trago e contam causos. O mesmo que bodega





Cheio que nem guaiaca de turco

Muito rico.

Cheio que nem penico de velha

Diz-se de pessoa muito chata, antipática, inconveniente.


Entrevero

Grande confusão de pessoas, animais ou coisas. Desordem. Choque de dois corpos na fúria dos combates.

 

Estar a meia guampa

Estar um pouco embriagado.

Estar com a barriga no espinhaço

Muito magro e com fome.

Estar como carancho em tronqueira

Muito triste, aborrecido.

Estar de aspa torta

De mau humor.

Estar na canga

Estar preso ou dominado por mulher.

Inhapa

Regalo, gorjeta, presente que o vendedor dá ao comprador além do que foi combinado entre ambos no negócio. Representa uma forma gratidão do vendedor pelo bom negócio realizado.

Lambe-esporas

Indivíduo bajulador, adulador. O mesmo que puxa-saco.

Macanudo

Adjetivo que caracteriza o que é excelente, de boa qualidade; que é admirado pela beleza, força, prestígio, poder, inteligência.

Negar o estribo

No sentido literal, retrata o momento em que o cavaleiro tenta pôr o pé no estribo do cavalo, mas este se afasta e recusa ser montado. Aplica-se a pessoa que não cumpre promessa, faltando com a palavra dada.

Orelhano

Animal sem nenhum sinal nas orelhas, portanto não foi assinalado, não possui marca de seu dono. Seria um antropônimo originado do padre Cristobal de Mendoza y Orellana, introdutor do gado no Rio Grande do Sul. Para alguns estudiosos, o termo vem do espanhol “orejano”, arisco, agreste, provavelmente derivado de “arilla”, margem, borda, portanto sem nenhuma ligação com a palavra orelha a não ser pela semelhança de grafia.

Taipa

Parede de pedra com ou sem terra para represar água num açude. Parede de pedra para cerco de animais menores, especialmente o porco. Sujeito tapado, idiota, ignorante.


Talagaço

Porção de bebida alcoólica tomada de uma só vez, num único gole. O mesmo que talagada.







Ditados populares do gaúcho – definição e uso


Afiada que nem dentada de traíra

Faca cortante, bem amolada. Pessoa sempre pronta para atacar. Ditado equivalente: Afiada que nem língua de sogra.

Agarrado como carrapato em costela de boi gordo

Pessoa que, por afeto, está sempre por perto, tornando-se inoportuna.



Bagaceiro que nem papagaio de zona

Indivíduo que só usa palavrão, desbocado



Mais frio que barriga de sapo

Pessoa indiferente, insensível, desumana.

Metido que nem piolho em costura

Sujeito intrometido, que se mete em assunto que não lhe diz respeito.


Velho como o rascunho da Bíblia

Ditado que faz referência a pessoa idosa, com muita experiência e sabedoria





* Professor e escritor
   aririboldi@terra.com.br






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