Histórias de Páscoa
O Renascimento
Mariza Magalhães
Sentados àquela mesa de um bar de periferia, possivelmente escolha do mais velho mais para sentir-se em seu próprio território, trinta anos separam os dois homens. O primeiro, alisando repetidamente as costuras de um boné surrado entre os dedos magros e ossudos, o segundo olhando fixamente para o rosto do outro, mão apoiando o queixo, um perfume de bom gosto exalando no ar. O homem do boné, cabelo grisalho, pele queimada de sol, parece fazer parte daquele cenário. O rapaz elegante e perfumado à sua frente, ao contrário, é visivelmente estranho ao local. Não dizem nada buscando palavras nas lembranças vertiginiosas e diferentes, embora sobre o mesmo assunto, passando céleres na mente de ambos. Um garçom aproxima-se, guardanapo no ombro e, perguntando se desejam mais alguma coisa, troca o cinzeiro e anuncia:– Amanhã é sexta-feira santa, só vai fechar depois do meio-dia, no almoço vamos servir vários tipos de peixes até a uma hora... – após aguardar por uma resposta que não vem, dá de ombros e afasta-se. Na mesa o silêncio é rompido:
– ... Ela nunca disse nada. Nenhuma palavra, nunca. Por quê?, pergunta o homem do boné, um olhar magoado e úmido.
O jovem responde com voz suave, cordial e amigável:
– Não cabe a nenhum de nós perguntar isto, agora. Não tem mais importância. E então? Almoçamos juntos no domingo? – pergunta, enquanto os dedos muito longos e brancos tocam com ternura a mão do outro, quase a medo, sussurando pra si mesmo..."Pai..."
A mão calejada treme e se coloca sobre a mão do outro num toque comovido e, dominando a timidez, o homem ergue-se de repente, circunda a mesa e, a princípio meio sem graça, abraça o outro. Naquele momento é quebrado o obstáculo do tempo.
No domingo, celebram erguendo a taça de vinho, o renascimento entre ambos. A primeira Páscoa de um pai com seu filho.
