EDIÇÃO ESPECIAL
Cães que sobreviveram à incêndio na zona norte da Capital estão na SEDA

 

SEDA procede o atendimento às vítimas que depois serão esterilizados e doados em uma feira especial com os 20 sobreviventes, promovendo o reencontro dos voluntários que participaram do resgate

Passam bem os 19 cães (14 adultos e cinco filhotes) e duas galinhas resgatadas pela Secretaria Especial dos Direitos Animais, após incêndio, no final da tarde de domingo (3), que destruiu totalmente a casa da Sra. Maria Irene, de 63 anos, no bairro Sarandi, zona norte da Capital. Até o final desta segunda-feira (4), mais um cão resgatado dos escombros irá se somar a eles na Área de Medicina Veterinária (AMV). Outros cinco animais foram levados em estado grave às clínicas Pet Móvel e VetMax, onde permanecem internados. Um cão que teve queimaduras graves foi encaminhado para uma clínica que não se propôs a realizar o atendimento emergencial gratuitamente, e, diante da urgência, uma veterinária decidiu cuidar do animal.

Maria Irene vivia no local com mais de 50 animais e mais da metade morreu carbonizado. “Dona Irene era viúva, perdeu uma filha e se apegou demais aos animais. Ela sentia pena deles soltos nas ruas e os trazia para dentro de casa”, diz Dagmar, sobrinha de Irene. “A dona Irene sofreu queimaduras graves para salvar a vida daqueles bichos, mas não conseguiu salvar todos”, conta emocionada a protetora Isis Fraga, que acionou a rede de proteção para ajudar no resgate dos sobreviventes.

Os bichinhos já iniciaram os exames na SEDA e a veterinária Adriana Lopes adianta que nenhum apresenta ferimentos graves. “Os cães estão com queimaduras leves, porém, muito assustados. Tudo aconteceu muito rápido na vida deles, de uma hora para outra estavam debaixo de escombros, sofrendo e pedindo ajuda. Os voluntários trabalharam em meio a fumaça, no escuro e seguindo o choro e latidos deles na tentativa de salvá-los.

A veterinária lamenta, ainda, a quantidade de animais sob responsabilidade de Dona Irene: “É importante ressaltar a diferença entre protetor e acumulador de animais. O protetor sabe seus limites, tem consciência de sua responsabilidade com os animais e literalmente os protegem. O acumulador sente pena deles perambulando pelas ruas e acaba levando para casa. Só que em vez de proteger, o acumulador acaba cometendo maus tratos ao confinar um grande número de animais num mesmo espaço, muitas vezes sem comida e acompanhamento veterinário. Não sei se é o caso desta senhora, mas é preciso ficar atento”.

Como tudo aconteceu
Por volta das 18h30, Isis Fraga, moradora do Sarandi, percebeu o fogo. Os bombeiros foram acionados, as chamas controladas uma hora depois e Dona Irene encaminhada ao Hospital Cristo Rendentor. Eles foram embora sem prestar socorro aos animais, quando Isis recorreu à rede de proteção de animais no facebook. Foi neste momento que a SEDA soube do incêndio, às 22h.

Imediatamente, um repesentante da Secretaria se dirigiu ao local da tragédia para colaborar no resgate dos animais entre os escombros, feito por uma equipe de protetores e veterinários voluntários.

O trabalho voluntário terminou por volta da uma hora de segunda-feira (4). Os animais passaram a madrugada na Associação Riograndense de Proteção aos Animais (ARPA) porque na AMV não tinha condições, naquele momento, de receber os animais porque era preciso fazer um remanejamento dos cães residentes para acomodar os novos: “A Área de Medicina Veterinária abriga cerca de 25 cães bravios, que precisam ficar em baias isoladas, isto é, um cão com comportamento agressivo tira espaço de dez animais em uma baia. Durante a madrugada seria muito difícil remanejá-los para outros espaços na SEDA, e, como a ARPA tinha disposição para abrigá-los àquela noite, Júlio Ferrás (foto à esq.), ajudou no resgate e colocou à disposição o espaço físico da ARPA. A equipe técnica da SEDA optou pela segurança de todos. Hoje cedo, os manejadores adequaram os espaços para os 20 animais que pertecem à Dona Irene e o translado efetuado ”, explica Adriana Lopes.

Feira de adoção especial dos cães da tragédia

A SEDA conversou na manhã desta segunda-feira (4) com a protetora Isis Fraga. Ficou combinado que assim que os animais estiverem aptos para adoção, a Secretaria irá convidar os protetores que dedicaram a noite de domingo (6) para salvar a vida de cerca de 25 cães e realizar uma feira somente deles. Antes, porém, irá conversar com Dona Irene para saber se concorda com a adoção. “É uma forma de homenagear os heróis desta tragédia e conseguirmos um lar digno e cheio de amor aos cães que sofreram, talvez, o maior trauma de suas vidas. Vivemos horas de angústia e dor, acompanhando passo-a-passo de todos acontecimentos. Quando estiverem bem, vamos realizar o reencontro de pessoas do bem para comemorar a vitória de todos”, diz a primeira-dama Regina Becker.

FOTOS DOS HERÓIS
Veja as imagens da transferência dos animais da ARPA para SEDA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  
PROTETOR X COLECIONADOR
Colecionadores: um risco à saúde dos animais

A maior dor dos protetores de animais é o sentimento de impotência. Diariamente se deparam com cães e gatos nas ruas sem poder ajudá-los ou ter para onde levá-los. Nunca se falou tanto sobre o tema “animais”. Eles são assunto nas redes sociais, nos meios de comunicação e no dia a dia dos cidadãos. Por outro lado, quanto mais falamos sobre isso, mais nos deparamos com uma realidade devastadora.

Quando uma dezena de animais vive num ambiente limpo com água fresca e comida, é castrado e doado, estamos falando de um verdadeiro protetor de animais. Mas quando passa fome, sede e dorme nos próprios dejetos, trata-se de uma doença psiquiátrica bem séria, e o responsável, por não dispor de meios de oferecer abrigagem em boas condições, é conhecido como “colecionador de animais”.
 

Aristides Cordioli é psiquiatra, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e especialista em TOC


O colecionador é aquele que, na tentativa de amparar animais abandonados, abriga mais do que as condições permitem e eles acabam doentes e muitos vêm a óbito. A pessoa acaba prejudicando a si mesmo e não percebe a situação-problema em que vive. Ela também evita esterilizar os animais e sempre arruma desculpas para mantê-los quando surge um doador em potencial. A doença já é reconhecida internacionalmente e é frequentemente associada a Transtornos Obsessivo-Compulsivos (TOC), depressão e ansiedade social.

De acordo com o médico psiquiatra e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Aristides Volpato Cordioli, o transtorno do colecionamento de animais é um estágio avançado do TOC, uma enfermidade crônica do cérebro onde a pessoa se encontra ligada a atos que não provêm de sua razão ou emoção e que sua vontade não pode interromper. “O portador desta patologia tem uma grande dificuldade de tomar decisões racionais e de cuidar de si próprio, até mesmo em relação ao básico. Também não consegue lidar com situações que não possam controlar. E uma pessoa que não se considera doente, não procura ajuda e é de difícil tratamento”, explica Cordioli.

Em quatro décadas dedicadas à ciência, Aristides Cordioli lidou com diversos casos ligados ao colecionismo de animais. Segundo ele, cada caso é único e deve ter abordagem diferente. O doente é identificado quando apresenta um vínculo excessivo com seus animais, mas não consegue dizer "não" a colocar mais um animal em casa, por mais que esteja superlotada ou que o cão ou gato esteja muito doente. “Ele acha que o bicho estará bem com ele, melhor do que em qualquer outro lugar e nega que seus animais estejam em condições precárias de saúde”, revela o psiquiatra.

Apesar de estudos indicarem difícil tratamento, Cordioli conseguiu obter avanços significativos com alguns de seus pacientes. Ele tratou de uma senhora muito humilde que chegou a abrigar 30 animais, entre cães e gatos. “Era uma pessoa que tinha um sentimento de culpa por qualquer animal que via na rua e o recolhia. Com a aceitação do tratamento, passou a entender a necessidade de parar com o acúmulo de animais, resgatou a importância dos cuidados com a higiene e deu a maioria deles para adoção”, conta o médico.

Normalmente, os colecionadores de animais demoram anos até serem descobertos, e, quando isso ocorre, muitos dos animais não podem ser salvos. Estudos mostram que a maioria deles morre em decorrência das condições em que estavam sendo criados. Por isso, torna-se necessário a colaboração de amigos e familiares desses doentes.

Quando a situação foge do controle, causando sofrimento e comprometendo a saúde física e psicológica de pessoas próximas, a busca de ajuda profissional é a melhor forma de salvar os doentes e os animais em situação de risco.

Como ajudar um colecionador de animais
A Secretaria Especial dos Direitos Animais (SEDA) reuniu algumas informações do Dr. Aristides Cordioli que podem servir como apoio para uma ação de ajuda a acumuladores:
 

  • Antes de tudo é preciso ter certeza de que se trata realmente de um colecionador compulsivo. Nem sempre um número alto de animais é sinal deste comportamento, mas cães e gatos apáticos, magros e com forte cheiro de urina e fezes são alguns dos principais sinalizadores de que algo está errado. Os vizinhos podem ser uma boa fonte de informação;
  • O mais recomendável é formar uma equipe de ação em que alguns dos integrantes sejam próximos ao indivíduo. Um dos maiores desafios para amparar uma pessoa nessa situação é fazer com que ela mesma aceite auxílio. O primeiro contato deve ser sempre um oferecimento de ajuda. Importante lembrar de estar sempre simpático para com a vítima do transtorno ou ela pode deixar de colaborar. Enquanto, do seu ponto de vista, a pessoa está causando sofrimento aos animais, a visão dela é de que está salvando vidas;
  • Para dar os cuidados necessários aos animais, como passeios, melhoras no ambiente e tratamento veterinário, é importante ganhar a confiança do indivíduo e dar garantias de que eles não terão nenhum tipo de sofrimento. Num segundo momento, com bastante conversa e uma relação mais próxima, pode-se começar a tocar na ideia de doar alguns animais. É preciso convencê-los a não pegar mais animais. Saber dizer “não” é essencial neste momento de recuperação;
  • Buscar organizar nas comunidades grupos de discussão sobre os chamados colecionadores de animais. A partir daí, fazer campanhas de conscientização e cobrar do poder público políticas de fiscalização e tratamento para colecionadores de animais que não têm condições de custear o atendimento psiquiátrico particular.