PW Páscoa
Histórias de Páscoa

Táticas de guerra


Cristina Leipnitz

Nunca acreditei em coelhinho, somente no Papai Noel. Mas achava mágico procurar o ninho escondido, nos domingos de Páscoa. A meu pedido, a cesta continha pelo menos um ovo grande, vários ovos menores, barras, bombons avulsos e também um brinquedo, que era algo para durar depois dos chocolates. Finalmente, a cesta era enrolada em papel celofane vermelho ou azul. Minha ansiedade era tal que a cada vez despertava mais cedo. Cheguei a acordar num domingo antes das 7 horas, mais cedo do que se fosse para a escola.
 
Minha mãe ouvia a movimentação do outro quarto e não dava outra: quando eu passava dos meus domínios, dando início à caçada, ela gritava que era muito cedo e me mandava voltar a dormir imediatamente. Comecei a estudar táticas de guerra. Passei a rastejar sobre o assoalho e depois sobre o tapete da sala, apoiada sobre os antebraços, movendo-me vagarosamente, de forma que a mãe, deitada, não tinha ângulo para me ver sair do quarto. Num domingo acordei às 4 da manhã. Rastejei, procurei, nada. “Ela ainda não escondeu”, pensei. E voltei a dormir.
 
Acordei, assustada, às 6h30min. Repeti a operação. Levava mais de 10 minutos para percorrer o apartamento me arrastando. Nada novamente. Voltei para o quarto, um pouco irritada, e acabei dormindo de novo. 
 
Então finalmente despertei para a terceira e última tentativa. Eram pouco mais de 8h30min. E lá fui eu rastejando. Cabelos desgrenhados, antebraços vermelhos e o pijama sujo, de tanto lustrar o assoalho. Percorri todo o apartamento novamente. Olhei em baixo de todos os móveis. Vasculhei cortinas. Abri o forno do fogão. Nada.
 
 “Agora acabou a brincadeira”, pensei. E num rompante, me levantei, me dirigindo a passos largos em direção ao quarto onde a mãe dormia. Surpresa, por me ver surgindo da sala, de mãos na cintura, com uma cara péssima, perguntou: “o que houve, guria?” As palavras saíram ásperas: “francamente, mãe, assim não é possível. Onde está o meu ninho? É a terceira vez que eu procuro por todo o apartamento, me arrastando escondida!”
 
Não lembro se fiquei de castigo, se ela riu ou se me passou um sermão. Mas daquela Páscoa em diante, ficou tudo acertado. Coelho lá tinha hora. E não podia passar das 8 da manhã.


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