Proferida na sexta-feira, 26, a decisão da juíza Nadja Mara Zanella, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, determinou a suspensão dos efeitos do decreto Municipal 20.580, de 15 de maio de 2020, que dispunha sobre a participação da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde no âmbito do Município. A liminar proíbe a Prefeitura de Porto Alegre de renovar os contratos firmados com as organizações privadas.
A ação civil pública (ACP), ingressada pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público do Estado (PJDDH/MPE/RS) em maio de 2020, foi resultado da denúncia do Conselho Municipal de Saúde (CMS/POA) ao órgão, que questionava a legalidade do Decreto.
Para o Conselho, esta decisão é uma vitória do controle social do SUS e confirma o posicionamento quanto à inconstitucionalidade das bases do decreto. Conforme a decisão, o decreto extrapolava a competência do gestor municipal que pretendia regulamentar norma federal, ferindo frontalmente a norma constitucional em seu artigo 199, que define a participação da iniciativa privada de maneira complementar no SUS e a Lei Federal 8080/90.
O decreto é parte estruturante dos dispositivos jurídicos criados pelo governo Marchezan para conferir legalidade aos atos administrativos de contratualização baseados na Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Conforme já apontado pelo CMS/POA, todo o processo de contratualização da Atenção Básica, iniciado em 2019, contém irregularidades administrativas e legais e não cumpriu os aspectos contidos na Nota Técnica nº 01 de 2018 dos Ministérios Públicos do Estado, de Contas, do Trabalho e Federal do Rio Grande do Sul sobre o tema.
A gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não mediu esforços para consolidar a estratégia de ampliação irrestrita do repasse da Rede de Atenção à Saúde para entidades privadas, inclusive de atividades assistenciais prioritárias como a Atenção Básica e a Atenção Psicossocial. Mesmo com a reprovação dessas ações pelo plenário do Conselho Municipal de Saúde e denúncia aos órgãos de controle externo.
Segundo a liminar, levando em consideração a pandemia e a importância de assegurar a assistência, os contratos firmados com a Associação Vila Nova, Sociedade Sulina Divina Providência, Irmandade Santa Casa de Misericórdia, Hospital Restinga e Extremo Sul e IBEA-PUC podem ser mantidos até setembro deste ano, mas sem possibilidade de renovação.
Conforme a notícia do MPE/RS, a Promotora de Justiça dos Direitos Humanos de Porto Alegre, Márcia Cabral Bento, destacou que “o decreto municipal era claramente ilegal e visava ampliar a possibilidade de participação de entidades privadas no Sistema Único de Saúde de Porto Alegre, o que, de acordo com a legislação vigente, somente é permitida de forma complementar”.
O acolhimento do pedido da ACP demonstra a importância do papel do controle social e dos órgãos de controle externo na defesa do SUS público, universal e de qualidade. Impõe, ainda, a responsabilização da gestão municipal quanto ao cumprimento dos princípios da administração pública, que deve demonstrar a motivação de seus atos através de nexo de causalidade e não por mera conveniência e vontade. Reafirma, assim, que a discricionariedade da gestão não pode ser sinônimo de arbitrariedade da gestão pública.
O CMS/POA destaca que segue empreendendo todos os esforços para que sejam garantidos os princípios do SUS e as deliberações das Conferências Municipais de Saúde, na afirmação da centralidade da Atenção Básica e sua relevância pública para a saúde da população. O controle social segue exigindo a ação do MPE/RS no seguimento da execução da ACP 001/1.10.0286310-5 quanto ao cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em 2007, para a solução definitiva da situação das Equipes de Saúde da Família e da consolidação da Rede de Atenção Básica na cidade.