Segundo especialistas, as terceirizações oferecem risco à Saúde pública e já incidem na piora dos indicadores da capital

02.08.2022

De acordo com o especialista em Saúde Coletiva, médico Alcides Miranda, pesquisador e professor da UFRGS, Porto Alegre vem decaindo nos indicadores de Saúde, principalmente na assistência pré-natal e na sífilis congênita. Os dados foram apresentados por Miranda na Pré-Conferência Livre, Democrática e Popular “O SUS em Risco”, realizada na quinta-feira, 28, no auditório de Farmácia da UFRGS.

Miranda destacou que além de gastos inadequados, demissões e alta rotatividade de trabalhadores, as terceirizações nas Unidades de Saúde da Atenção Básica, implantadas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS/POA), representam uma piora no quadro de doenças que são negligenciadas, como demonstram os dois importantes indicadores de Saúde, e um sintoma da necropolítica do Estado, que decide quem vai viver ou morrer. “A responsabilidade é nossa de denunciar, porque o que está acontecendo é muito grave”, disse.


(Foto CMS, da esquerda para direita: Alexandre Bublitz, Tiana Brum de Jesus
e Alcides Miranda - 28.07.2022)

Segundo o professor, na última década, Porto Alegre tem mantido uma proporção maior de pré-natais inadequados em relação ao conjunto das capitais brasileiras (gráficos). Pré-natais inadequados não são apenas pré-natais não realizados, mas número mínimo de consultas, exames laboratoriais, vacinação, procedimentos obstétricos e acompanhamento de gravidez de risco, informações que constam no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.


Em relação à sífilis congênita, para Miranda, o que está ocorrendo na cidade é “escandaloso”. “Numa gestante que foi acompanhada e fez minimamente o pré-natal, é inconcebível que um bebê nasça com sífilis”, destacou. Segundo ele, é muito difícil impedir que uma mulher adquira a doença, mas é possível impedir que uma criança nasça com sífilis por meio de um pré-natal adequado, que inclui exame e tratamento. Porto Alegre, em 2020, apresentou uma incidência de 33,8 casos de sífilis a cada mil nascidos vivos ao ano, enquanto o conjunto das capitais brasileiras foi de 10,8. Em 2010, o Município apresentava uma taxa de 11,7, nas capitais o indicador era de 4,8 para cada mil nascidos vivos. Ou seja, Porto Alegre praticamente triplicou os casos de bebês nascidos com sífilis, numa curva ascendente e com aumento significativo em relação às demais capitais. 
(gráficos)

Miranda atribui a piora deste cenário à precarização da Atenção Básica em Porto Alegre, além de terceirizações com contratos que não garantem o que diz o artigo 199 da Constituição Federal, que regra que o SUS pode ser complementar por terceiros desde que sejam garantidas as suas diretrizes. “A terceirização em Porto Alegre está matando, estão nascendo crianças com sífilis porque não financiam a Atenção Primária e, sim, pagam agiotas”, denunciou. Logo em seguida, o professor complementa: “O SUS não foi feito para vender consumo de procedimentos biomédicos, ele foi feito para buscar universalidade, integralidade, equidade, participação e controle social”, lembrou.


O professor defendeu a proposta de criação de uma Lei Complementar que regulamente a complementaridade no SUS e estabeleça critérios para que os contratos com terceiros no SUS garantam o cumprimento das diretrizes do Sistema, indicando as prioridades sociais e como medir os benefícios alcançados com os serviços produzidos. “São eles que são complementares no SUS, não o inverso, porque o que está acontecendo hoje é que o SUS está sendo complementar no mercado da doença. Revisei centenas de contratos em todo o país e em nenhum deles consta a garantia dos princípios do SUS de universalidade, acessibilidade com equidade a partir de um mapeamento de prioridades sociais”, pontuou.


O processo de sucateamento da Saúde e as consequências da terceirização


Palestrante do evento, o médico popular Alexandre Bublitz, professor da Unisinos, lembrou do caos instalado na saúde pública do Rio de Janeiro (RJ) com as terceirizações dos serviços nas mãos das Organizações Sociais (OSs), que, inclusive, serviram de modelo para Porto Alegre. Bublitz apresentou o resultado da auditoria realizada pela Controladoria Geral do Estado do RJ (CGE-RJ), de 2019, que avaliou as consequências das terceirizações. “O Rio de Janeiro está neste processo há mais de uma década com as Organizações Sociais, que resultou numa fragilidade da estrutura de Saúde e no aumento de fraudes em licitações e corrupções”, destacou.


O estudo concluiu que as contratações de OSs aumentaram o custo financeiro do Estado e diminuíram a assistência à Saúde para a população do Rio de Janeiro, o que contraria o artigo 70 da Constituição Federal, sobre as regras da economicidade da administração pública. “A transferência da gestão das unidades de saúde resultou na redução do volume assistencial do serviço público de saúde ofertado, quando comparado ao anteriormente praticado pela SES (Secretaria Estadual de Saúde), juntamente com o aumento dos valores envolvidos na operacionalização das unidades”, conclusão do documento.


(Foto CMS: Tiana Brum de Jesus e Alexandre Bublitz  - 28.07.2022)

Após os inúmeros escândalos no Rio, que resultaram em afastamentos e prisões de membros do executivo, está em andamento a proposta de acabar com os serviços das OSs nos serviços públicos de Saúde até 2024.

Bublitz destacou, ainda, o artigo publicado na revista científica The Lancet, em novembro de 2021, que faz uma análise do processo de terceirização no sistema nacional de saúde da Inglaterra e os impactos na saúde no país até 2020, observando a mortalidade por doenças tratáveis antes e depois das terceirizações. O estudo demonstrou que cada 1% de aumento das terceirizações, por ano, acarretou um aumento de 0,38% na mortalidade por doenças que poderiam ser tratadas. Além de maior custo financeiro do Estado após as terceirizações.


A resistência contra as terceirizações – o Controle social do SUS


A coordenadora do Conselho Municipal de Saúde (CMS/POA), assistente social Tiana Brum de Jesus, que também é trabalhadora da Atenção Básica no Município, falou sobre a democracia ativa que sustenta o SUS e que foi base para sua criação e estruturação. Tiana trouxe a história de 30 anos do controle social em Porto Alegre e relembrou a luta pela defesa do SUS. “O Conselho sempre defendeu o SUS constitucional, como direito de todes e dever do Estado, gerido e executado pelo Estado”, disse.


Tiana relembrou que, desde os anos 90, quando a Estratégia de Saúde da Família (ESF) passou a
reorganizar a prática assistencial, o Conselho tem alertado à gestão municipal sobre a necessidade de uma solução definitiva para os serviços da Atenção Básica na cidade. “Alertamos para a necessidade se ter um quadro efetivo, com remuneração adequada e condições de trabalho que permitam aos trabalhadores se fixarem nos territórios para que se cumpra o que Atenção Básica se propõe, que é cuidar das pessoas ao longo do tempo onde elas vivem com equipe multiprofissional”, falou. Referindo-se aos atributos da AB de olhar integral para o indivíduo e a família de forma contínua com foco na pessoa e não na doença, com ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.

A coordenadora do Conselho retomou a trajetória da implementação da ESF no Município, o Termo de Ajustamento de Conduta (2007), a criação (2011) e extinção do IMESF (2019) e fez um resgate da luta do controle social contra as políticas neoliberais que reduziram a Atenção Básica a um pacote de serviços biomédicos, numa lógica curativista e de atendimento queixa-conduta, voltando ao tempo antes da reforma sanitária. Tiana citou o desfinanciamento do SUS e dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) e a diminuição dos números de Agentes Comunitários de Saúde.


Na sua fala, Tiana ressaltou, ainda, que as terceirizações estão diretamente relacionadas ao modelo de saúde implantado. “Quando falamos em terceirização, não tem como não falar no modelo de cuidado de saúde que vai ser implementado a partir dela, porque a forma de financiamento e de contratação profissional têm relação direta com o cuidado ofertado”, destacou.

A Pré-conferência foi uma realização do Comitê Democrático Popular em Defesa do SUS e contra as Terceirizações, integrado pelo Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA), Simpa, Cores Saúde, CUT/RS, Fórum em Defesa do SUS/RS, Associação dos Servidores/as do GHC (ASERGHC), Comissão de Trabalhadores/as da Estratégia de Saúde da Família, usuários/as e trabalhadores/as da Atenção Básica.


  

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