Política Municipal de Atenção Básica (PMAB) é reprovada com deliberação por seminário para discussão do assunto

23.08.2022

As conselheiras e conselheiros de Saúde reprovaram, com ampla maioria, a política de saúde proposta pela gestão para a Atenção Básica (AB) do Município. O plenário deliberou, na quinta-feira, 18, que o assunto seja debatido por meio de um seminário em parceria com o Conselho Municipal de Saúde (CMS/POA), o Comitê Democrático e Popular em Defesa do SUS e contra as Terceirizações, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e as residências em Saúde.

Com o tema “Nossos passos vem de longe”  (em alusão à Jurema Werneck, Anistia Brasil, e à luta das mulheres negras) a coordenadora do CMS/POA e trabalhadora da AB, Tiana Brum de Jesus, resgatou a trajetória do CMS para a construção da política e apresentou os apontamentos do Colegiado sobre a proposta apresentada pela gestão. Para o CMS, a política ignora as definições das Conferências de Saúde e do CMS sobre o tema, desrespeitando o que regra o SUS sobre a participação da sociedade na construção das políticas de Saúde no país.

Em 2008, o CMS deliberou, através da resolução nº 37, que a estratégia de Saúde da Família fosse adotada como modelo de Atenção Básica em Porto Alegre e que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) criasse condições estruturais para que as equipes de saúde tivessem vínculo regular de trabalho, permitindo a fixação dos trabalhadores nas comunidades e reduzindo a rotatividade dos profissionais nas equipes. Também, em 2013, emitiu a resolução nº 9, que consolidou e atualizou os dispositivos da Política Nacional de Atenção Básica no Município. Já na época a resolução indicou que o Município deveria elaborar o PMAB, que integraria o Plano Municipal de Saúde (PMS) e norteariam os processos de ampliação da rede básica. 
 
Sobre a última Conferência Municipal de Saúde, realizada em 2019, o CMS aponta que a gestão descumpre as três deliberações feitas sobre a Atenção Básica.
 
“a) Ampliar, qualificar e fortalecer a Atenção Primária à Saúde e a cobertura de Estratégia de Saúde da Família em todos os seus componentes (saúde bucal, NASF, centro de convivência e cultura, consultório de rua, saúde da família e academias de saúde) com equipes completas, considerando o dimensionamento de pessoal, respeitando o trabalho dos agentes comunitários de saúde e ampliando o número de profissionais de acordo as necessidades de saúde do território. 
b) Constituir carreira pública nacional para o Sistema Único de Saúde (SUS) a todos profissionais e garantia de implementação e fixação na rede de atenção própria e pública, bem como, implementação de uma política de educação permanente para qualificação do sistema de saúde;
c) Garantir o financiamento público com prioridade para a execução de serviços prestados diretamente pelo poder público e suspender as iniciativas de terceirização, contratualização das organizações sociais e parcerias público-privadas, que rompem com os princípios do SUS universal e público, respeitando a ordem constitucional que restringe a participação da iniciativa privada no SUS ao caráter exclusivamente complementar."
 
Além disso, os apontamentos do colegiado destacam que existem vários tipos de equipes funcionando na cidade, o que fere os princípios da universalidade, equidade e integralidade do SUS, por meio dos quais deveria ser garantido, para a população, o acesso aos mesmos serviços e atendimentos, independente do território. A apresentação do CMS exemplifica que nas unidades de saúde vinculadas aos Hospitais de Clínicas e PUC/RS, USs Santa Cecília e Vila Fátima, respectivamente, as equipes contam com assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas que apoiam as equipes de referência, mas não aparecem no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASFs). No caso das 12 unidades vinculadas ao Grupo Hospitalar Conceição (GHC), as equipes contam com assistentes sociais e psicólogos nos territórios e apoio matricial de terapeutas ocupacionais, farmacêuticos, psiquiatras adulto e infantil e nutricionistas, e aparecem no CNES como NASFs. Já nas unidades de saúde terceirizadas e nas cinco restantes do município, não é oferecido ou não está especificado na Política como se dá o processo de cuidado multiprofissional e matricial. O documento salienta que a organização dos processos de trabalho está reduzida à lógica da consulta e do procedimento num modelo focalizado e não abrangente, priorizando a produção de quantitativo de consultas.
 
O CMS também pontuou que não há informações atualizadas sobre o censo da população em situação de rua na política apresentada. O número estimado está muito abaixo da realidade, inclusive em desacordo com o próprio Plano Municipal de Saúde (PMS) 2022-2025, no item da saúde da população em situação de rua, que a partir do cadastro dos consultórios da rua existentes estima 6 mil pessoas em situação de rua em Porto Alegre. O que equivale à necessidade de 12 equipes de Consultório na Rua e não cinco como previsto no plano.
 
A ausência da atenção domiciliar como uma atribuição fundamental da AB também foi um destaque negativo que levou a reprovação da Política. Para o CMS/POA, o serviço foi um dos mais agravados pela diminuição e desestruturação da Atenção Básica e, ao longo dos anos, vem diminuindo cada vez mais, atingindo as populações mais vulneráveis, idosos e pessoas com deficiência que necessitam de atenção em suas residências e não podem se deslocar até um local de saúde.
 
Para o controle social do SUS, a PMAB apresentada não corresponde a um plano com diretrizes, ações e metas que possam ser incluídas no PMS e na Programação Anual de Saúde (PAS). Além disso, a proposta de pesquisa de satisfação e a própria consulta pública não foram pactuadas com o Colegiado.
 
Durante a reunião, vários conselheiros e conselheiras, entre usuários e trabalhadores, colaboraram com manifestações ao encontro do que o CMS ressaltou. 
 
Conforme a vice-coordenadora do CMS/POA, Ana Paula de Lima, membro da SETEC e representante do CMS na Câmara Técnica de AB do Conselho Nacional de Saúde, o debate sobre Atenção Básica em Porto Alegre é uma demanda antiga. Em 2017, o CMS aprovou o PMS 2018-2021 com a inclusão de duas ressalvas: que o gestor apresentasse as Políticas Municipais de AB e de Saúde Mental (SM). Segundo Ana Paula, quando a atual gestão assumiu, o CMS apresentou, de imediato, esta demanda como prioridade. Em 2021, no início da análise situacional e elaboração do PMS 2022-2025, os representantes do CMS no grupo de trabalho apontaram que se instituíssem as políticas antes do novo PMS, o que não ocorreu. Por este motivo, segundo Ana Paula, o PMS 2022-25 terá que ser revisto.
 
Para a conselheira, a política que foi apresentada não responde as indagações de como o Município vai dar conta das necessidades concretas em Saúde, além disso centraliza e reduz outras políticas importantes de Saúde. “Sempre defendemos a centralidade da Atenção Básica como principal política do SUS, mas não a centralização na Atenção Básica”, disse Ana Paula referindo-se à aglutinação, pela gestão, das políticas de Saúde Mental e de Assistência Farmacêutica dentro da política de AB. Para ela, que coordena a Comissão de Saúde Mental do Colegiado, a gestão não apresentou um trabalho articulado com a Política de Saúde Mental, alicerçada no cuidado em liberdade nos territórios e no fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
 
Presente na reunião, o coordenador da Comissão de Assistência Farmacêutica do CMS/POA e representante do Sindicato dos Farmacêuticos, conselheiro Masurquede Coimbra, lembrou que em 2022 faz 20 anos da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, primeira política pública da área de saúde construída pelo controle social. Com isso, o conselheiro retoma que a Assistência Farmacêutica, como política, não pode ser tratada dentro das farmácias distritais, agora terceirizadas, e nem dentro da Atenção Básica, como está fazendo o município. “Ela precisa ser tratada dentro da Política Municipal de Assistência Farmacêutica, de forma integral e transversal, o que se reforça com a publicação pelo governo do Estado, neste mês, da Política Estadual de Assistência Farmacêutica”, falou Coimbra, referindo-se ao decreto estadual nº 56626 publicado em 16 de agosto de 2022.
 
Para o conselheiro de Saúde e usuário, Dirceu Luiz Rohr,  a gestão não utiliza todo o trabalho que é feito pelo CMS e não segue o que é apontado e deliberado pela participação social conforme foi apresentado pela coordenação do CMS na plenário. Para ele, o que está acontecendo com a AB não é qualificação e sim diminuição da oferta de serviços para a população mais carente. Rohr citou o exemplo do que ocorre no serviço de Saúde Modelo, referência para o território central, do qual faz parte. “No modelo, que atende uma média de 120 mil pessoas e 80 mil idosos, com a diminuição de agentes comunitários de saúde nas equipes muitas famílias deixaram de receber este cuidado”, denunciou Rohr.


  

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