Fome como resultado do desmonte das políticas públicas foi o tema da plenária do Conselho de Saúde

Fotos Assessor Técnico José Luiz Mansur
Plenária CMS/POA de 03.11.22
07/11/2022
A plenária de quinta-feira (3) do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA) foi marcada pela luta em defesa das políticas públicas e pela cobrança de ações concretas do governo Sebastião Melo para a garantia dos direitos da população e de condições dignas de saúde e assistência para os mais vulneráveis da cidade e que passam fome. Com o tema "Com fome não há Saúde", a reunião que ocorreu de forma presencial, teve um caráter formativo e já de preparação para o debate da 9ª Conferência Municipal de Saúde que será realizada em março de 2023. A reunião foi transmitida ao vivo para o facebook e está disponível na íntegra (
aqui).
O encontro contou com a participação do presidente do Conselho Estadual de Saúde/RS, Cláudio Augustin, de forma virtual, do presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea/RS), Juliano de Sá, do integrante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) e do Coletivo PopRua, Nilson Lopes, de conselheiras e conselheiros de Saúde, representantes de movimentos sociais, entidades, conselhos, residências e universidades.
Na abertura, a coordenadora do CMS/POA e assistente social da Atenção Básica Tiana de Jesus emocionada falou que a plenária marcava a vitória da democracia após a concessão da liminar na justiça (
notícia) favorável ao CMS e suspendendo todos os efeitos da lei antidemocrática do prefeito Melo. Na sua fala, Tiana também lembrou da entrada no mês da Consciência Negra e do fortalecimento do CMS cada vez mais antirracista. Sobre o tema da reunião, Tiana apontou os efeitos do desmonte das políticas públicas em Porto Alegre e como isso afeta os direitos humanos e a saúde da população, especialmente a mais vulnerável.
Para Augustin, a vitória, mesmo que de forma liminar, é uma grande vitória para o controle social. O presidente do CES/RS lembrou que logo após ter sido divulgado o resultado da eleição, o novo presidente Luís Inácio Lula da Silva fortaleceu a importância da participação popular no próximo governo quando disse, no discurso da vitória, que as conferências voltariam e que quer a participação da sociedade. “Os conselhos junto com as conferencias são a maior participação da sociedade na construção de políticas públicas que nós temos no Brasil. A constituição brasileira é única no mundo em que tem registrado a participação da população, portanto a decisão do poder judiciário é a correta e é uma grande vitória da democracia e do SUS”, falou.
Fome como projeto político
Sá começou a pauta formativa trazendo a citação de
Josué de Castro “Metade da humanidade não come; e a outra não dorme, com medo da que tem fome”. Castro com o livro “Geografia da Fome”, publicado em 1946, foi um marco para a questão da fome como conseqüência do resultado de um projeto político, econômico e social no mundo.
O presidente Consea/RS apresentou dados do II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), que analisou dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022 - saiba mais em
https://olheparaafome.com.br/. O inquérito r

evelou que a fome no país é resultado de um projeto político e que as ações do governo federal foram responsáveis por colocar o Brasil de volta no mapa da fome no mundo. Entre elas, Sá registrou a Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, que congelou os "gastos" públicos por 20 anos, a extinção do Consea Nacional, em 2019, o desmonte das políticas públicas e a diminuição do controle social.
Conforme o II VIGISAN, no Brasil 33,1 milhões de pessoas passam fome e 65 milhões convivem com a fome diariamente. No Rio Grande do Sul, o mapeamento demonstra que em cada dez casas com crianças de 0 a 10 anos, em seis delas as crianças não comem bem, não estão comendo em quantidade ou não estão comendo nada, o que traz conseqüências graves no desenvolvimento. Segundo Sá, o inquérito demonstrou que essa fome é resultado do desmonte do Programa Nacional de Alimentação Escolar e da má gestão. ”Durante a pandemia, o Estado do RS não usou, só o ano passado, 26 milhões de reais que estavam nos cofres públicos para as compras da agricultura familiar, que poderiam ter sido transformadas em kits de alimentação para as casas dessas famílias. Então a fome é resultado político”, denunciou Sá.
Nilson Lopes fez a associação de fome com saúde falando, inicialmente sobre
Hipócrates. “O primeiro médico que se tem notícia na história, o Hipócrates, já dizia que o alimento é o melhor remédio para todas as doenças, ou seja, a alimentação adequada é a essência da vida”, disse Lopes.
“Eu descobri que eu passei fome já dentro do útero da minha mãe e com esse histórico eu não consegui ter o desenvolvimento físico adequado normal e tive uma vida totalmente irregular. Eu sou uma pessoa em superação do alcoolismo, da drogadição e da situação de rua. Há 10 anos eu descobri um novo jeito de viver graças a políticas públicas e programas integrados. Me descobri e encontrei como motivação para superação os movimentos sociais e espaços de controle social”, falou emocionando os participantes da plenária.
Lopes reforçou a importância fundamental da integração dos projetos sociais da sociedade civil com políticas públicas estruturadas no cenário da fome que traz conseqüências graves para o desenvolvimento das pessoas. “Se olho para o ser humano e não vejo um ser humano é porque antes disso ele já foi violentado e é o que sobrou de um ser humano”, denunciou.
A vice-coordenadora do colegiado e conselheira pelo Conselho Distrital Leste, Ana Paula de Lima, cobrou da gestão a apresentação dos dados da fome de Porto Alegre. “A Saúde pode não ser a responsável exclusiva, mas tem um papel de protagonista pela questão do conceito de Saúde. É muito importante para o nosso debate que a Saúde apresente, pelo menos, os dados das internações de crianças de até um ano por desnutrição”, disse Ana referindo-se ao levantamento do Observa Infância da Fundação Oswaldo Cruz,
divulgado em outubro, e que aponta Internação de bebês por desnutrição no Brasil é a maior em mais de 10 anos. Além disso, Ana denunciou sobre o término, em novembro, dos vales-transportes para os usuários de Saúde Mental.
Mesmo cobrada pelo plenário, a gestão, que voltou a participar das reuniões após a liminar, não apresentou dados sobre o tema geral da fome em Porto Alegre e nem sobre os dados das internações de crianças de até um ano por desnutrição. Além disso, Francisco Isaias, conselheiro de Saúde pela gestão, comunicou ao plenário que irão recorrer da liminar.
Como encaminhamento da pauta, o plenário deliberou por cobrar da Prefeitura de Porto Alegre a produção de dados em relação à cidade. Além da proposta de se resgatar a luta unificada intersetorial com base popular e territorial como forma de enfrentamento da fome nos territórios, com a proposta de se fortalecer os conselhos distritais de Saúde nessa luta.
Acesse as demais deliberações do plenário de 3 de novembro:
declaração.