O movimento ampliou-se: incorporou parlamentares e outros segmentos; promoveu debates; divulgou suas ideias; e envolveu até mesmo alguns técnicos das instituições oficiais de saúde.
Em 1979, no I Simpósio Nacional de Política de Saúde, realizado pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, o movimento, representado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Saúde – CEBES, apresentou e discutiu publicamente sua proposta de reorientação do sistema de saúde já que se chamava Sistema Único de Saúde.
Era uma proposta para democratização geral da sociedade, universalização do direito à saúde, um sistema de saúde de natureza pública, descentralizando e integrando as ações curativas e preventivas, com participação da sociedade.
Com o passar do tempo, a pressão social aumentou e o governo teve que levar em consideração a proposta e adotar, pouco a pouco, muitas destas ideias do movimento. Já em 1982, não suportando mais os gastos da Previdência Social com o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social - INAMPS, o governo adota algumas medidas de reorientação da sua política de assistência médica, mudando a forma de pagamento do setor privado contratado pela introdução do pagamento por diagnóstico, celebrando convênios com os Estados e Municípios. Essas foram as propostas que passaram a ser conhecidas, respectivamente, por AIH (Autorização de Internação Hospitalar) e AIS (Ações Integradas de Saúde).
As AIS representavam, pela primeira vez, a possibilidade de que as instituições públicas de saúde se conhecessem mutuamente e começassem a fazer um planejamento mais articulado e até mesmo integrado. Propiciaram, também, a criação das Comissões Inter-Institucionais de Saúde – CIS, em âmbito estadual, e as Comissões Interinstitucionais Municipais de Saúde – CIMS.
Prevista nos planos de governo e tendo em vista a próxima realização da Assembleia Nacional Constituinte, foi convocada a 8ª Conferência Nacional de Saúde para discutir a nova proposta de estrutura e política de saúde para o país. Com a participação de cerca de 5.000 pessoas, a 8ª Conferência aprovou um relatório, cujas recomendações passaram a construir o projeto da Reforma Sanitária Brasileira. É responsabilidade do Estado – conjunto das instituições e políticas da sociedade – garantir os meios para que as pessoas tenham acesso aos bens e serviços que lhes assegurem a saúde. Daí, a ideia de que a Saúde é direito de todos e dever do Estado, um princípio básico da Reforma Sanitária.
O SUS, como parte da Reforma Sanitária, é um processo que estará sempre em aperfeiçoamento e adaptação. Uma das características principais do SUS é ser democrático devendo assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos com o sistema – dirigentes institucionais (gestores), prestadores de serviço, trabalhadores em saúde e, pincipalmente, os usuários de saúde. Por isso, a ideias e a estratégia de organização dos Conselhos de Saúde, para exercerem o controle social sobre o SUS, devem respeitar o critério de composição paritária: participação igual entre os usuários e os demais segmentos (ver Resolução 453/2012 do Conselho Nacional de Saúde); além de ter poder de decisão.
Em 1988, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a Constituição Brasileira incluindo conceitos e propostas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, ou seja, na essência, a Constituição adotou a proposta da Reforma Sanitária; o que não foi fácil, pois vários grupos tentaram aprovar outras propostas. De qualquer forma, essa foi uma grande vitória que colocou a Constituição Brasileira entre as mais avançadas do mundo no campo do direito à saúde.
A Constituição previa a elaboração das Leis Orgânicas correspondentes a cada esfera de governo num prazo de seis meses. Porém, a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080) só foi aprovada no segundo semestre de 1990, após muita negociação do Ministério da Saúde com o movimento da Reforma Sanitária.
Apesar de todas as dificuldades, o processo não parou e muitas experiências no nível municipal avançaram, assim como a criação dos Conselhos de Saúde que foram se tornando uma realidade irreversível, nos três níveis de governo.
A Comissão Interinstitucional de Saúde de Porto Alegre – CIMS/Porto Alegre foi criada em agosto de 1984 na observância das normas gerais aplicáveis às Ações Integradas de Saúde (AIS) e do conteúdo do Termo de Adesão ao Primeiro Termo de Aditivo ao Convênio nº08/84 (Convênio AIS), que teve como objetivo implantar e executar as AIS no município de Porto Alegre, com ênfase ao desenvolvimento dos Serviços Básicos de Saúde e da Assistência Municipal das Urgências/Emergências.
O início das atividades da CIMS e Secretaria Técnica (SETEC) aconteceu no dia 09 setembro de 1985, mas somente durante o ano de 1986 tanto a CIMS como a SETEC passaram a funcionar normalmente com reuniões semanais. Faziam parte das mesmas a Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social, Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), Ministério da Educação (MEC), Ministério da Saúde (MS), e contava, ainda, com a Associação dos Hospitais do Rio Grande do Sul (AHRGS), Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Porto Alegre (COSMAM) e Conselho Municipal de Saúde e Bem Estar Social (CONSABES).
A CIMS/Porto Alegre constituiu-se como a instância local de planejamento, gestão e acompanhamento das AIS no Município tendo como objetivo a busca da melhoria da qualidade dos serviços de saúde que eram oferecidos à população.
A CIMS/Porto Alegre, a partir de 1989, se consolida como fórum de gestão das ações de saúde, deliberando, normatizando, fiscalizando e controlando a política de saúde no município. Para se fortalecer, a CIMS contou com o crescimento das Comissões Locais de Saúde (CLIS). O município foi dividido em onze regiões, sendo que cada uma contava com uma CLIS. As CLIS, assim como a CIMS, eram constituídas pelos prestadores de serviço, pelos trabalhadores da área de saúde, pelas instituições governamentais e pelas associações de moradores.
Para completar esse processo de participação da comunidade na gestão do SUS, em 28 de dezembro de 1990, foi sancionada a Lei 8142, que diz no artigo primeiro:
“O SUS, de que trata a Lei 8080/90, contará em cada esfera de governo, sem prejuízo
das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:
I – a Conferência de Saúde, e
II – o Conselho de Saúde”.
O aprimoramento da CIMS foi resultado de um intenso processo de discussão que a administração de Porto Alegre estabeleceu com a população através de suas entidades representativas como, por exemplo, o sindicato de trabalhadores e associações de moradores. Sendo assim, a CIMS foi levada à constituição do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre – CMS/POA, criado pela Lei Municipal Complementar 277, em 20 de maio de 1992.
Antes de ser uma definição legal, o poder deliberativo e fiscalizador sobre as políticas de saúde (a ser exercido pelas conferências e conselhos de saúde) é uma questão de sobrevivência para o SUS. Ninguém melhor do que a população de cada município deste país para defender e consolidar uma das maiores conquistas dos movimentos sociais e populares. Quanto mais forte e atuante for o conselho de saúde, quanto maior for a participação popular, tanto mais se poderá aprimorar o atendimento à saúde pública.
(Do Livro “10 anos do CMS – Uma década de lutas e realizações no exercício do controle social do SUS!”)